Sábado, 12 de Janeiro de 2013

Capítulo 45 - O reencontro da felicidade

  "Sei que nunca mais será igual... sei que tudo te levou para longe de mim... já não sei de ti. Já não sinto a tua falta, não preciso assim tanto de ti para me sentir bem. Porque graças a ti, encontrei algo que preenche o buraco que deixas-te no meu peito, e graças a ti alguém me consegue ainda, fazer sorrir. Tudo porque tu existes."

 


   As minhas pernas tremiam a cada passo, as minhas mãos trémulas apertavam o bouquet com força, como se se fosse partir caso o deixasse caír. O vestido cobria-me os sapatos em tons de pérola e o véu permitia-me sentir a protecção dos olhares que pairavam sobre mim. Distingui o sorriso das minhas amigas e também damas de honor, dos meus amigos e familiares, a minha mãe segurava um lenço, agora ensopado em lágrimas, o meu filho estava ao seu colo e acenava com a mão pequenina, com um sorriso rasgado. A minha filha estava um pouco mais à frente com um sorriso rasgado e entusiasmado, segurava uma pequena almofada em tons de marfim, debroada com rendinhas, onde duas alianças estavam pousadas brilhando com os reflexos do sol, que entravam pelos vitrais da igreja. Levantei um pouco mais o olhar e senti o braço do pai dele apertar um pouco mais o meu, elevando-me a subir o degrau. O primeiro degrau em direcção ao homem que ali esperava por mim. Ouvi um soluço vindo da direcção oposta ao lado onde se encontrava a minha família e amigos, a minha futura sogra acabava de se comover, soltando um suspiro bastante audível. Por fim alcancei os seus olhos e aquilo que eu mais temia, acabou por se concretizar, o seu rosto desfocou-se gradualmente e as lágrimas escorreram pelo meu rosto incessantemente, não chorei, não sentia vontade de o fazer, mas os meus olhos denunciaram-me, o véu evitou que se notasse. Ele correspondia o olhar e o seu rosto estava ainda mais perfeito do que eu imaginara, ele sorria-me mesmo sem estar a sorrir, os seus olhos sorriam sosinhos, os seus lábios tremiam, e assim que a minha mão foi entregue à dele pelo seu pai, senti que tremia tanto quanto a minha. Estava quente, húmida, macia. Esbocei um leve sorriso e ele sorriu-me de volta.

   O padre começou o seu discurso, sou sincera, não me lembro de ter dado atenção ao que estava a dizer, estava perdida no olhar de Mark, perdida na sua presença, no momento em questão. Esqueci-me da multidão que nos rodeava, esqueci-me do momento em questão. Quando ouvi o meu nome, a realidade tornou a infiltrar-se na minha consciência e acordei da ilusão que a sua presença criava em mim.

- Aceito. Claro que aceito! - balbuciou ele,como se tivesse acabado de acordar do mesmo sonho que eu. Os seus olhos continuavam focados nos meus, as suas mãos, agora as duas, seguravam as minhas.

- Lizzy, aceita Mark como seu legítimo esposo... - o meu consciente estavadeterminado a ignorar tudo só para poder olhar para aquele homem que me segurava as mãos, a vida e a alma. Quando senti um silêncio profundo e umas risadinhas, retornei à parte em que supostamente eu deveria responder.

- Accc... Aceito! - respondi, atordoada. Ele colocou gentilmente a aliança prateada, talhada com pequenos cristais no meu dedo anelar. Segui o seu gesto.

- Declaro-vos marido e mulher! Pode beijar a noiva. - Completou o Padre. O Mark lvantou o véu que me cobria o rosto e sorriu. Aproximou o seu rosto lentamente do meu, agarrou-o com as duas mãos e puxou-me para si. Os meus braços rodearam o seu pescoço e beijei-o. Ouvi uma série de aplausos inesperados. Senti a minha filha abraçar-nos e passei o me braço pelos ombros dela, beijei-a no rosto.

   Olhei à minha volta, todos os rostos que me eram familiares estavam ali presentes, a sorrir, a aplaudir ou a chorar de alegria. Senti-me leve, feliz, realizada. Pela fresta da grande porta do salão o sol espreitava, intensificando-se gradualmente enquanto o meu olhar focava a luz. Senti-me afastar lentamente a capacidade de concentração da multidão, e fixei o ponto de luz que se transformava lentamente num vulto, escurecendo os contornos de uma figura humana, aproximou-se trazendo consigo uma brisa suave e gélida que percorreu o meu corpo fazendo-o arrepiar-se. Tentei focar o olhar, tentando decifrar o vulto que se intensificava cada vez mais no meu olhar, no lugar dos olhos, duas pequenas manchas formaram-se brilhando como cristais, o sorriso formado naquele rosto familiar abriu-se. Os meus olhos focaram finalmente todos os traços daquele ser que eu tão bem conhecia, os seus dentes brilhantes, o seu olhar meigo, aquele sorriso perfeito, a cicatriz na testa, o sinal ao lado do nariz, o cabel curto com a crista a pender para um dos lados, o corpo escultural e delineado, o nariz desproporcionalmente perfeito, tudo nele era completamente reconhecível, agora que o conseguia ver, rodeado de luz, de luminusidade, de brilho.

- Alex! - balbuciei, sem conseguir conter as lágrimas. Fechei os olhos e tornei a abri-los.

   Ele continuava parado à minha frente, a sorrir com aquele brilho nos olhos. O mesmo brilho que todos os dias me presenteava pela manhã, ao acordar do meu lado, ao abraçar-me, ao olhar nos meus olhos, na primeira vez que o fotografei na cave da loja, ao olhar os nossos filhos, quando me pediu em casamento ajoelhado na cozinha da casa acolhedora na Holanda, quando me viu entrar na igreja e me aproximei dele, quando me beijou a primeira vez, quando lhe dei a notícia de que íamos ter o nosso filho, quando o via aparecer no topo das escadas do centro comercial, quando me viu saír do porão das malas no aeroporto, o mesmo brilho que vi no dia em que o nosso filho nasceu, no dia em que a nossa casa ficou pronta e a estreámos, a primeira vez que fizemos amor, quando me apresentou à sua mãe, quando me deixou no alpendre do prédio e se afastou, quando o vi chorar à chuva, ajoelhado no chão, quando me olhou pela última vez antes de partir. Todos os momentos que passámos, passearam pela minha memória como um flashback.

   Sorri, sabia que mais ninguém o poderia ver, sabia que mais ninguém o sentia ali, mas ele estava mesmo à minha frente. Levantei o braço lentamente e tentei tocar-lhe no rosto, apenas senti a temperatura mais baixa, na zona do maxilar onde supostamente os meus dedos tocavam, mas foi como se sentisse o calor da sua pele, ele fechou os olhos, como se tivesse sentido o meu gesto e o estivesse a apreciar. As lágrimas continuavam a escorrer pelo meu rosto.

- Agora posso estar em paz, pois sei que estarás sempre bem acompanhada. Fizes-te a escolha certa, Liz. Continuas a ser perfeita em todos os sentidos, cada vez mais...

- Alex, eu...

- Shhh... Sabes perfeitamente que eu dei uma mãozinha nisto. Certo?! - perguntou-me com o seu sorriso meio de lado, que eu tanto adorava. - Eu prometi que nunca te abandonaria, e esta foi a forma que eu arranjei para continuar a cumprir a minha promessa mesmo depois de partir.

- Eu sei... eu sentia-te em todas as decisões, em todas as dúvidas.

- Agora posso continuar, porque sei que já não estás só... nunca estiveste, mas agora tens novamente a felicidade na mão.

- Sinto tanto a tua falta, Alex... Preciso tanto de ti...

- E eu a tua... mas um dia... um dia voltaremos a encontrar-nos... garanto-te. Até lá... ama. Ama o mais que puderes todos aqueles que te rodeiam... ama o teu marido, ama os nossos filhos, e nunca te esqueças do quanto eu te amei e continuarei a amar.

- Não me esqueço. Nunca esquecerei. Sempre te amarei... sempre! - disse-lhe focando-me nos seus olhos uma vez mais. O seu corpo foi ficando menos translúcido, aproximei-me um pouco mais e senti os seus braços aproximarem-se do meu corpo num abraço.

- Não te assustes. - Pediu-me sussurrando, como se alguém o estivesse a ouvir. Eu sabia que ninguém mais o poderia ouvir. Abraçou-me, envolveu-me nos seus braços e apertou-me, senti-o, consegui distinguir o calor do seu corpo envolver-me. - Eu sabia que o conseguiria se o quisesse muito. E eu queria muito poder despedir-me de ti, amor.

- E eu de ti, Alex... - balbuciei entre lágrimas. O seu vulto estremeceu e eu afastei-me um pouco do seu corpo, segui com o olhar a direcção para onde o olhar dele estava focado. O Mark aproximava-se incrédulo, o seu rosto transmitia uma expressão de choque, comoção e espanto ao se cruzar com o meu olhar, ele alternou o olhar entre mim e o suposto vulto que só eu via. Olhei para o rosto do Alex e apercebi-me que sorria. Mark também o conseguia ver. O meu actual marido aproximou-se devagar, eu continuei a chorar, mas o me marido acelerou o passo e passou por mim, esticando o braço e tentando alcançar o vulto do Alex, que ainda me abraçava, mas eu já não sentia.

- Alex... irmão?! - balbuciou Mark com as lágrimas a escorrerem-lhe também pelo rosto.

- Mark... Obrigado por tudo! - disse-lhe o Alex ainda a sorrir. - Obrigado por continuares a cuidar daquilo que foi mais precioso para mim, durante a minha existência.

- Eu prometi-te, mano. EU prometi. - respondeu Mark comovido.

- Cuida bem deles. És a única pessoa capaz disso, eu sei que és. - O Alex pousou a mão no ombro do meu marido e deu-lhe umas palmadinhas. - Estou inteiramente feliz por saber que posso ficar descansado.

- Cuida de nós, irmão... olha por nós, onde quer que estejas.

- Estou em toda a parte, onde quer que vocês estejam. - completou Alex. - Lizz, Mark... digam aos miúdos que os amo. Sempre amarei.

- Nós dizemos... eles sabem. - respondeu o Mark a chorar novamente.

- E nós amamos-te muito, Alex. Obrigado por tudo. - comentei.

- Obrigado eu, por me terem amado tanto em vida, permitindo-me partir em paz. Amo-vos a todos... digam adeus à minha mãe, ela precisa...

- Prometido. - concordei tornando a chorar.

- Bem... vou indo. Já tenho a minha missºao concretizada, e não quero estragar o resto da festa. - a sua mão aproximou-se de mim e acariciou-me o rosto, desvanecendo-se depois de me tocar. Senti a sensação de calor desaparecer, assim como vi o seu vulto evaporar-se na luz. O Mark abraçou-me e o meu choro tornou-se constante, solucei.

- Ele está em paz. - tentou acalmar-me. Beijou-me os lábios e sorriu. - Amo-te, Lizz.

- E eu a ti, Mark. - tornei a beijá-lo.

   Voltámos para perto dos convidados que não se tinham apercebido de nada do que tínhamos presenciado. Todos conversavam animadamente, a miha mãe ainda chorava, os meus filhos correram na minha direcção e agarraram-se ao meu vestido, baixei-me um pouco e abracei-os.

- Sabem que o papá vos ama muito, e vi sempr amar, mesmo que esteja longe de nós. - comentei num sussurro.

- Sabemos mamã. - disse a minha filha, prontamente. - Ele esteve aqui hoje... e estava muito felz. - disse ela calmamente acariciando-me o rosto, tal como o Alex acabara de o fazer, antes de se desvanecer. Olhei para o Mark que já sorria, mesmo antes de eu o olhar.

- Pois esteve... Ele estará em todo o lado. Aqui! - disse-lhe tocando com as minhas mãos nos seus peitos, no lugar do coração. - Ele ama-vos muito, vai amar sempre. Eles abraçaram-me e beijaram-me o rosto, o Mark imitou-os. - Amo-vos a todos minhas vidas! - disse-lhes.

 

 

***

 

   "FIM... Nada merece um fim... quer seja um grande amor, uma amizade, um bom livro, um momento bom, um sorriso, uma vida... É uma palavra tão... forte... tão terminalista! FIM. Para quê colocar um fim, nalguma coisa que tanto amamos?

   Muitas vezes é necessário, mas porquê?! Porque é que algo que nos faz bem, tem de acabar?! Ou mesmo que nunca tenha realmente começado, porque tem de ter um? Não sei... Não entendo... Só sei que ainda penso em ti todos os dias da minha vida. Pergunto-me se estarás bem, se te lembras de mim. Pergunto-me se alguma vez esquecerei tudo aquilo que me fizes-te sentir, e ainda fazes... o quanto eu queria continuar a fazer parte da tua vida, mesmo como uma boa amiga. E sim, tu és a personagem magnífica desta história, baseei-me em ti e em tudo o que sentia por ti... baseei-me nas pessoas que conheci e que fizeram parte da minha vida, de alguma forma. E o amor que descrevi, foi o amor que senti por ti, e que fiz questão de destruir inconscientemente com o meu acto de loucura, com a minha inconsciencia doentia, com a minha doença estúpida. Desculpa, Alex. Desculpa se te magoei, se alguma vez te desiludi como pessoa. Era a última coisa que eu queria, e consegui fazê-lo sem saber.

   Matei a personagem que te descrevia, matei-te... tive de o fazer no momento em que decidi que tinha de desaparecer para sempre da tua vida, no momento em que me dei conta do mal que estava a fazer... coloquei outra personagem no teu lugar, uma personagem que nunca me abandonou na vida real, que te é muito próxima... Ele esteve sempre lá para mim, mesmo nos momentos mais sombrios da minha falta de lucidez, e foi o único que não me abandonou, NUNCA, e ainda hoje é o meu grande pilar, amigo e confidente. O teu melhor amigo, tal como Mark era o melhor amigo do Alex, na trama. Devo-lhe a ele, muita da minha inspiração, da minha vontade de continuar em frente, de te esquecer e de ignorar aqueles que não quiseram aceitar o meu estado menos lúcido.

   Se algum dia perceberes que isto é dirigido à tua pessoa espero que entendas que sim, é possível apaixonarmo-nos por alguém, desta forma, mesmo que essa pessoa jamais aceite ou venha a saber. É possível amar em segredo, amar mais do que se ama a própria vida, amar sem razão alguma, sem saber o porquê. Mas é possível.


   E com isto ponho aqui um fim, enterro mais um capítulo daquilo que me fez crer que nada é impossível, apenas há que saber como alcançar o que o parece ser, e eu não soube. Um dia quem sabe, eu encontre alguém que me ame tanto quanto eu mereço, e que sinta por mim, tudo aquilo que eu senti por ti, eu corresponderei. E peço a Deus que nunca, mas nunca venhas a sofrer por ninguém... que sempre que ames, sejas amado em retorno e a duplicar. Eu sei que vais encontrar o amor da tua vida num abrir e fechar de olhos e que serás feliz como mereces. Nunca te esqueças é que terás sempre alguém no mundo que jamais te esquecerá, que jamais esquecerá o teu sorriso, a tua voz, o teu olhar, todos os teus traços e gestos... alguém que te adora para além de tudo e de todos, que mesmo que não te sintas ninguém no mundo, serás sempre o mundo de alguém: O MEU! Até um dia, Alex. Até um dia...


FIM

publicado por ButterFly às 22:58
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